O estoicismo é uma escola de filosofia helenística fundada por Zenão de Cítio na Grécia, em Atenas, no início do Século III a.C.. É uma filosofia de eudaimonia e virtude pessoal, baseada num sistema sustentado pela lógica e pela prática de virtudes cardinais como forma de atingir uma vida ética de acordo com a natureza. Entre as bases estoicas destacam-se o autocontrole das emoções como via para a apatheia, a indiferença ao prazer e a valorização da virtude.
Os estoicos ensinaram que as emoções destrutivas resultavam de erros de julgamento, da relação ativa entre determinismo cósmico e liberdade humana e a crença de que é virtuoso manter uma vontade (chamada prohairesis) que está de acordo com a natureza. Devido a isso, os estoicos apresentaram sua filosofia como um modo de vida e pensavam que a melhor indicação da filosofia de um indivíduo não era o que uma pessoa diz, mas como essa pessoa se comporta.[1] Para viver uma boa vida, era preciso entender as regras da ordem natural, uma vez que ensinavam que tudo estava enraizado na natureza.[2]
Mais tarde os estoicos – tais como Sêneca e Epiteto – enfatizaram que, porque "a virtude é suficiente para a felicidade", um sábio era imune ao infortúnio. Essa crença é semelhante ao significado da frase "calma estoica", embora a frase não inclua as visões dos "radicais éticos" estoicos, onde somente um sábio pode ser considerado verdadeiramente livre e que todas as corrupções morais são igualmente perversas.[3][4] O estoicismo desenvolveu-se como um sistema integrado pela lógica, pela física e pela ética, articuladas por princípios comuns. Foi a ética estoica que teve maior influência no desenvolvimento da tradição filosófica e alguns pensam que chegou a influenciar os primórdios do cristianismo.[5]
Desde a sua fundação, a doutrina estoica era popular com seguidores na Grécia romana e por todo o Império Romano, incluindo o imperador romano Marco Aurélio (r. 121–180), até o fechamento de todas as escolas de filosofia pagã em 529 por ordem do imperador Justiniano (r. 527–565), que os percebeu como em desacordo com a fé cristã.[6][7] O neoestoicismo foi um movimento filosófico sincrético, juntando-se o estoicismo e o cristianismo, influenciado por Justus Lipsius.
Nome
Origem
O estoicismo era originalmente conhecido como "zenonismo", em homenagem ao fundador Zenão de Cítio. No entanto, esse nome foi logo abandonado, provavelmente porque os estoicos não consideravam seus fundadores perfeitamente sábios, como também para evitar o risco de culto à personalidade.[8]
O termo "estoico" deriva de Stoa poikile (grego antigo: ἡ ποικίλη στοά), ou "pórtico pintado", uma colunata decorada com cenas de batalha míticas e históricas, no lado norte da Ágora de Atenas, onde Zenão e seus seguidores se reuniram para discutir suas idéias.[9][10]
Uso moderno
A palavra "estoico" comumente se refere a alguém que é indiferente à dor, prazer, tristeza ou alegria.[11] O uso moderno como uma "pessoa que reprime sentimentos ou resiste pacientemente" foi citado pela primeira vez em 1579 como um substantivo e em 1596 como um adjetivo.[12] Em contraste com o termo "epicurista", a entrada da Enciclopédia de Filosofia de Stanford sobre o Estoicismo observa, "o sentido do adjetivo inglês 'estoico' não é totalmente enganoso no que diz respeito às suas origens filosóficas".[13]
História
Os filósofos estoicos se reuniam originalmente sob o Pórtico Pintado (em grego: Στοά Ποικίλη; romaniz.: Stoá Poikíle), daí a denominação de Στωϊκός, transl. stoikós ou "filósofos do pórtico". As preleções aconteciam sob esses pórticos porque Zenão, o líder fundador da escola, não sendo ateniense mas um fenício de Chipre, não podia ter a propriedade de uma casa. Os estoicos preconizavam o cultivo da temperança frente à dor e as agruras da vida. O estoicismo floresceu na Grécia, com Cleantes de Assos e Crisipo de Solis, sendo levado a Roma no ano 155 a.C., por Diógenes da Babilônia. Ali, seus continuadores foram Marco Aurélio, Sêneca, Epiteto e Lucano.
A partir da introdução do estoicismo em Roma, a doutrina adquiriu um caráter eclético, com influências do platonismo, aristotelismo e epicurismo.
O estoicismo sobreviveu durante o Império Romano, incluindo a época do imperador Marco Aurélio, até que todas as escolas filosóficas foram proibidas em 529 d.C. por ordem do imperador Justiniano, em razão de suas características pagãs, contrárias aos preceitos da fé cristã, já então dominante.[14][15] Todavia o estoicismo acabou por exercer enorme influência sobre o pensamento patrístico.[16]
Princípios básicos do estoicismo
Os estoicos apresentavam uma visão unificada do mundo consistindo de uma lógica formal, uma física não dualista e uma ética naturalista. Dentre estes, eles enfatizavam a ética como o foco principal do conhecimento humano, embora suas teorias lógicas fossem de mais interesse para os filósofos posteriores.
O estoicismo ensina o desenvolvimento do autocontrole e da firmeza como um meio de superar emoções destrutivas. Defende que tornar-se um pensador claro e imparcial permite compreender a razão universal (logos). Um aspecto fundamental do estoicismo envolve a melhoria da ética do indivíduo e de seu bem-estar moral: "A virtude consiste em um desejo que está de acordo com a natureza".[18] Este princípio também se aplica ao contexto das relações interpessoais; "libertar-se da raiva, da inveja e do ciúme"[19] e aceitar até mesmo os escravos como "iguais aos outros homens, porque todos os homens são igualmente produtos da natureza".[20]
A ética estoica defende uma perspectiva determinista. Com relação àqueles que não têm a virtude estoica, Cleantes uma vez opinou que o homem ímpio é "como um cão amarrado a uma carroça, obrigado a ir para onde ela vai".[18] Já um estoico de virtude, por sua vez, alteraria a sua vontade para se adequar ao mundo e permanecer, nas palavras de Epicteto, "doente e ainda feliz, em perigo e ainda assim feliz, morrendo e ainda assim feliz, no exílio e feliz, na desgraça e feliz",[19] assim afirmando um desejo individual "completamente autónomo" e, ao mesmo tempo, um universo que é "um todo rigidamente determinista".
O estoicismo tornou-se a filosofia mais popular entre as elites educadas do mundo helenístico e do Império Romano,[21] a ponto de, nas palavras de Gilbert Murray, "quase todos os sucessores de Alexandre [...] declararem-se estoicos.".[22]
Características do estoicismo
- Virtude é o único bem e caminho para a felicidade;
- Indivíduo deve negar os sentimentos externos;
- O prazer é indiferente ao homem sábio;
- Universo governado por uma razão universal natural;
- Valorização da apatheia (indiferença);
- Cosmopolitismo: O Estado ideal de Aristóteles, como a República de Platão, ainda é uma cidade grega; Zenão foi o primeiro a sonhar com uma república que deveria abraçar toda a humanidade.[23]
História
Por volta de 301 a.C., Zenão de Cítio ensinou filosofia no Pórtico Pintado, lugar a partir do qual o nome da filosofia se originou.[24] Ao contrário de outras escolas de filosofia, como a dos epicuristas, Zenão escolheu ensinar a sua filosofia num espaço público, que era uma colunata com vista para o local central de manifestação da opinião pública, a Ágora de Atenas.
As ideias de Zenão desenvolveram-se a partir do cinismo, cujo fundador, Antístenes, foi um discípulo de Sócrates. O seguidor mais influente de Zenão foi Crísipo de Solos, responsável pela moldagem do que atualmente é denominado estoicismo. Estoicos posteriores, da época do Império Romano, focaram o aspecto da promoção de uma vida em harmonia com o universo, sobre o qual não se tem controle direto.
Os acadêmicos dividem, normalmente, a história de estoicismo em três fases:
- A primeira (estoicismo antigo) desenvolveu-se no século III a.C., com Zenão de Cítio, Cleanto de Assos, Crísipo de Solos e Antípatro de Tarso, se preocupando com a lógica, a física, a metafísica e a moral.
- Na segunda (estoicismo médio), o pensamento estoico combinou-se com o espírito romano. Foi representado por Panécio de Rodes (180 - 110 a.C.) e Possidónio (135 - 51 a.C.).
- A terceira (estoicismo imperial ou novo estoicismo), com representantes como: Caio Musónio Rufo, Sêneca (nascido no início da era cristã e falecido em 65 d.C., Epicteto (50 - 125 d.C.) e Marco Aurélio (121 - 180 d.C.), que foi imperador romano em 161. As obras de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio propagaram o estoicismo no mundo ocidental. A última época do estoicismo, ou período romano, caracteriza-se pela sua tendência prática e religiosa, fortemente acentuada como se verifica nos "Discursos" e no "Enquirídio" de Epiteto e nos "Pensamentos" ou "Meditações" de Marco Aurélio. A obra de Sêneca, Cartas morais a Lucílio, pode ser vista como um excelente curso de estoicismo.
Não sobreviveu, até a atualidade, qualquer obra completa de um filósofo estoico das duas primeiras fases. Apenas textos romanos da última fase nos chegaram completos.[25]
Epistemologia
Os estoicos acreditavam que o conhecimento pode ser atingido por meio do uso da razão. A verdade pode ser distinguida da falácia, embora, na prática, apenas uma aproximação possa ser conseguida. De acordo com os estoicos, os sentidos recebem constantemente sensações: pulsações que passam dos objetos através dos sentidos em direcção à mente, onde deixam uma impressão na imaginação (phantasia). Uma impressão originária da mente era designada de phantasma.[26]
A mente tem a capacidade de julgar (sunkatathesis) — aprovar ou rejeitar — uma impressão, permitindo que possa ser feita uma distinção entre uma verdadeira representação da realidade de uma falsa. Algumas impressões podem ter um assentimento imediato, enquanto que outras podem apenas atingir diferentes graus de aprovação hesitante, que podem ser chamadas de crenças ou opiniões (doxa). É apenas através da razão que podemos atingir uma clara compreensão e convicção (katalepsis). A certeza e o conhecimento verdadeiro (episteme), alcançável pelo sábio estoico, podem apenas ser atingidos pela verificação da convicção com a experiência dos pares e pelo julgamento colectivo da humanidade.
Filosofia social
Uma característica distintiva do estoicismo é o seu cosmopolitismo: todas as pessoas seriam manifestações do espírito universal único e deveriam, de acordo com os filósofos estoicos, em amor fraternal, ajudarem-se uns ao outros de maneira eficaz. Nos Discursos, Epicteto comenta sobre a relação do ser humano com o mundo: "cada ser humano é, primeiro, um cidadão da sua comunidade; mas também é membro da grande cidade dos homens e deuses...".[28] Esse sentimento ecoa o de Diógenes de Sínope, que disse "Eu não sou nem ateniense nem coríntio, mas um cidadão do mundo".[29]
Os estoicos da época promoviam a ideia de que as diferenças externas, como status e riqueza, não são importantes nas relações sociais. Em vez disso, advogavam a irmandade da humanidade e a natural igualdade do ser humano. O estoicismo tornou-se a mais influente escola do mundo greco-romano e produziu uma grande quantidade de escritores e personalidades de renome, como Catão, o Jovem e Epiteto.
Em particular, os estoicos eram notados pela sua defesa à clemência aos escravos. Sêneca exortava: "Lembra-te, com simpatia, de que aquele a quem chamas de escravo veio da mesma origem, os mesmos céus lhe sorriem, e, em iguais termos, contigo respira, vive e morre".[30]
Ver também
- Platonismo
- Aristotelismo
- Epicurismo
- Ceticismo.
- Cícero
- Zenão
- Sêneca
- Meditações de Marco Aurélio
- Cartas de um Estoico
- Epiteto
Referências
- ↑ John Sellars (2006). Stoicism. University of California Press. p. 32. ISBN 978-0-520-24908-0.
- ↑ Pollard, Elizabeth (2015). Worlds Together, Worlds Apart concise edition, vol.1. New York: W.W. Norton & Company, Inc. p. 204. ISBN 9780393250930.
- ↑ Dirk Baltzly. «Stoicism» (em inglês). The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Consultado em 14 de janeiro de 2016
- ↑ Sharpe, Matthew. «"Stoic Virtue Ethics"» (PDF). Handbook of Virtue Ethics, 2013, 28–41.
- ↑ isandro Demetrius (2015). DicionÁrio De Filosofia Lisandro Demetrius. Clube de Autores. p. 162 - 163.
- ↑ Jacob Needleman; John Piazza (2008). The Essential Marcus Aurelius. Penguin Publishing Group. p. 48. ISBN 978-1-101-21611-8.
- ↑ Edward Craig (1998). Routledge Encyclopedia of Philosophy. Taylor & Francis.
- ↑ Robertson, Donald (2018). Stoicism and the Art of Happiness. Great Britain: John Murray.
- ↑ «Definition of STOIC». www.merriam-webster.com (em inglês). Consultado em 19 de novembro de 2020
- ↑ Williamson, D. (1 de abril de 2015). Kant’s Theory of Emotion: Emotional Universalism (em inglês). [S.l.]: Springer
- ↑ «Modern Stoicism». Build The Fire (em inglês). 9 de fevereiro de 2016. Consultado em 19 de novembro de 2020
- ↑ «stoic | Origin and meaning of stoic by Online Etymology Dictionary». www.etymonline.com (em inglês). Consultado em 19 de novembro de 2020
- ↑ Baltzly, Dirk (2019). Zalta, Edward N., ed. «Stoicism». Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 19 de novembro de 2020
- ↑ Agátias. Histories, 2.31.
- ↑ David, Sedley. «Ancient philosophy». In: E. Craig. Routledge Encyclopedia of Philosophy. Consultado em 18 de outubro de 2008
- ↑ Encyclopædia Britannica. Stoicism. §Stoic elements in Pauline and patristic thought
- ↑ Epicteto, Discursos, i.15.2, tradução para o inglês de Robin Hard.
- ↑ ab Russell 2004, p. 254.
- ↑ ab Russell 2004, p. 264.
- ↑ Russell 2004, p. 253.
- ↑ Amos 1982.
- ↑ Murray 1915, p. 25.
- ↑ Stock, St. George; Vieira (2020). Estoicismo, Guia Definitivo. São Paulo: Montecristo Editora. ASIN B088F5KYVV. ISBN 9781619651722
- ↑ Becker 2003, p. 27.
- ↑ A.A.Long, Hellenistic Philosophy, p.115.
- ↑ Diógenes Laércio (2000). Lives of eminent philosophers. Cambridge, MA: Harvard University Press VII.49
- ↑ Meditações, iii. 11.
- ↑ Epicteto, Discursos, ii. 5. 26
- ↑ Epicteto, Discursos, i. 9. 1
- ↑ Séneca, Epístolas, xlvii. 10
Bibliografia
- Stock, St. George; Vieira (2020). Estoicismo, Guia Definitivo. São Paulo: Montecristo Editora. ASIN B088F5KYVV. ISBN 9781619651722
- Amos, H (1982). These Were the Greeks (em inglês). Chester Springs: Dufour Editions. ISBN 9780802312754. OCLC 9048254
- Becker, Lawrence (2003). A History of Western Ethics (em inglês). Nova Iorque: Routledge. ISBN 978-0-415-96825-6
- Murray, Gilbert (1915). The Stoic Philosophy. In Russell, Bertrand. A History of Western Philosophy (1946) (em inglês). [S.l.: s.n.]
- Sellars, John (2006). Stoicism (em inglês). Berkeley/Los Angeles: University of California Press. 219 páginas. ISBN 978-0-520-24908-0
- Russell, Bertrand (2004). A History of Western Philosophy (em inglês) 2 ed. [S.l.]: Routledge. 778 páginas. ISBN 9780415325059. Consultado em 15 de janeiro de 2012
Ligações externas
- Media relacionados com Estoicismo no Wikimedia Commons
- Media relacionados com Estoicismo no Wikimedia Commons
- «O Antigo Estoicismo, por Émile Bréhier»
- «De vita stoica», site dedicado a aplicações contemporâneas da filosofia estoica
- Site O Estoico www.estoico.com.br
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